23 Dez 2017

A Super Levedura

No final deste ano foi noticiado que a cervejeira sediada no Colorado (EUA), Left Hand Brewing viu-se forçada a retirar do mercado em 2016, 2 milhões de dólares de cerveja, depois dos seus clientes se terem queixado de cervejas com defeitos, garrafas a explodir e outros problemas relacionado com controlo de qualidade.

Após uma investigação sobre o sucedido, a Left Hand Brewing colocou em tribunal o fornecedor de leveduras White Labs por, alegadamente, esta ter fornecido lotes contaminados com levedura selvagem, nomeadamente Saccharomyces diastaticus.

Esta levedura foi identificada pela primeira vez em 1952 por Andrews & Gilliland, os quais descreveram uma levedura capaz de fermentar amido solúvel e dextrinas, resultando numa cerveja com atenuação anormalmente baixa.

Em 1965, R.B. Gilliland, Sc. D., em trabalho desenvolvido na Arthur Guiness, Son & Co. (Dublin) Ltd., aprofundou o estudo deste microrganismo capaz de produzir glucoamilase, que promove a hidrolise da amilose e outros substratos. Esta enzima também chamada de amiloglucosidase é também secretada pela Aspergillus niger e Rhizopus delemar, não tendo sido encontrada em outras espécies de Saccharomyces.

No seu trabalho de investigação, a S. diastaticus fermentou em 14 dias, um caldo de amido de densidade inicial de 1.0123 para 1.0067. Por outro lado, a S. cerevisae não foi capaz de atenuar o mesmo caldo de amido.

Os resultados foram idênticos com um caldo de dextrinas de densidade inicial de 1.0118, baixando para 1.0071 em 14 dias. Tal como na outra solução, a S. cerevisae não foi capaz de atenuar nem um ponto de densidade.

Além da sua capacidade de fermentar amido, as outras características distintas observadas da S. diastaticus foram a sua resistência a altas temperaturas, a forma da célula (redonda a oval), a sua variabilidade em tamanho e a não formação de película no recipiente de fermentação.

Curiosamente, além da Left Hand Brewing têm sido reportados mais casos de cervejas com problemas consistentes com a fermentação por S. diastaticus, nomeadamente carbonatação excessiva (“gushing”), corpo muito leve e pH dentro da normalidade para cerveja. Além disso, não apresentam grandes alterações a nível organoléptico. Estas características tornam difícil a identificação da causa, uma vez que o nível de pH dentro dos parâmetros normais para cerveja, eliminam a actuação de bactérias (de espécies que produzem, em geral, ácido acético e ácido láctico, como é o caso da Acetobacter cerevisae e Pediococcus damnosus).

A sua identificação por métodos tradicionais de teste microbiológico é também difícil, dada a sua similaridade com a S. cerevisae. Um dos únicos métodos eficazes para a sua detecção é a análise genética através da técnica de reacção em cadeia da polimerase (ou polymerase chain reaction – PCR).

Assim, quando surgem problemas com determinados lotes que não estejam directamente relacionados com contaminação bacteriológica ou estirpes de levedura selvagem mais comuns (por exemplo, a Brettanomyces bruxellensis), aconselhamos a que seja feito um teste PCR para avaliar com detalhe a microflora presente e assim, isolar a causa.

Referências:

Saccharomyces Diastaticus – A Starch-Fermenting Yeast; by R. B. Gilliland, Sc.D., F.R.I.C. (Arthur Guiness, Son & Co. (Dublin) Ltd., St. James’s Gate, Dublin, 8). 29 de Outubro, 1965

Em mais um excelente artigo do blog experimentalista Brulosophy, desta feita aborda-se o impacto do oxigénio que é introduzido durante e pós-fermentação (parte/fase fria) nas New England IPA (NEIPA). Os resultados corroboram e consolidam a noção de que qualquer introdução de oxigénio na cerveja em qualquer fase após a fermentação, é de extrema importância reflectindo-se num declínio rapidíssimo da qualidade e frescura do produto.

Esta frescura é muitíssimo importante nas IPAs e seus sub-estilos e também nas NEIPAs, pois o objectivo é manter os aromas e sabores do lúpulo durante o máximo de tempo possível. Estas adições de lúpulos exóticos são, tipicamente, muito mais caras e o seu desaparecimento após 2 a 3 semanas se a cerveja é armazenada à temperatura ambiente (observando os resultados obtidos em lotes da Fizzlab) é, no mínimo, pouco desejável do ponto de vista financeiro.

O artigo completo pode ser consultado neste link.

Conforme já tivemos a oportunidade de anunciar, a Fizzlab foi contactada para participar em mais um estudo relacionado com envelhecimento de cerveja e a sua estabilidade de prateleira ao longo do tempo. Queremos desde já agradecer ao aluno finalista da Licenciatura em Química da Universidade do Minho, Diogo Barros Gonçalves, por toda a confiança depositada e congratula-lo pelo término da sua licenciatura. Neste artigo iremos abordar o estudo realizado de forma resumida, com diversas citações do texto base que pode ser consultado no documento original abaixo.

Envelhecimento Forçado

Este trabalho teve como objectivo estudar cervejas sujeitas a envelhecimento forçado, através da exposição a altas temperaturas, sendo realizada uma monitorização da evolução de alguns off-flavours através das técnicas de análise cromatográfica. No que concerne à Fizzlab, esta ficou encarregue da avaliação sensorial que foi posteriormente correlacionada com os valores obtidos nas análises químicas.

Como é sabido, a exposição de cervejas a temperaturas elevadas acelera as reacções de oxidação (reacções entre o oxigénio presente na cerveja e os seus compostos), uma vez que estas reacções são influenciadas pela temperatura. Após a fermentação do mosto de cerveja pelas leveduras, a presença de oxigénio tem um impacto negativo ao longo do tempo na cerveja, desenvolvendo-se defeitos (na sua maioria) que, sensorialmente falando, vão desde cartão, cereal velho, queijo, vínico, caramelo, maçãs verdes e mesmo vinagre. É pois importante, uma cuidada armazenagem do produto acabado, sendo um dos principais problemas na actual cadeia de distribuição de cerveja artesanal no nosso país.

As cervejas sujeitas a envelhecimento forçado foram todas do estilo International Pale Lager de uma cervejeira nacional, tendo sidas sujeitas às temperaturas de 40 e 50 ºC. A razão destas temperaturas elevadas está relacionada com o trabalho de Li et al. (1), que estabeleceu uma relação entre a temperatura na cerveja e a velocidade das reações químicas responsáveis pelo desenvolvimento de características organolépticas de uma cerveja envelhecida. Este autor condensou os resultados na tabela abaixo:

Assim e exemplificando, uma cerveja sujeita a uma temperatura de 40 ºC durante um dia, irá apresentar características químicas semelhantes a uma cerveja envelhecida à temperatura ambiente durante 8 dias (ou aprox. 5 dias a 35 ºC durante um dia). Daqui se pode retirar a extrema importância da temperatura de armazenamento, pois uma cerveja armazenada a 35 ºC durante apenas 5 dias, irá ser semelhante a uma cerveja envelhecida durante 25 dias à temperatura ambiente (2).

Com esta técnica é possível antecipar a formação de compostos em espaços de tempo mais curtos, permitindo o desenvolvimento de metodologias que os mitiguem.

Compostos Estudados

Os compostos estudados nas cervejas sujeitas a este regime de envelhecimento forçado foram:

  • Trans-2-nonenal – Um aldeído que se caracteriza pelos descritores sensoriais de papel molhado ou cartão. O seu limiar de percepção é bastante alto, sendo apenas necessários entre 0.05 e 0.1 microgramas de composto por litro de cerveja.
  • Ácido acético – Um produto final derivado do caminho de oxidação do etanol. Este ultimo, na presença de oxigénio, transforma-se em acetaldeído e este, por sua vez e também por acção do oxigénio, em ácido acético. Caracteriza-se por notas avinagradas/ácidas, estando o seu limiar de percepção na ordem dos  200 mg de composto por litro.
  • Furfural – um composto que é produto das reacções de Maillard, tendo sido estas ultimas a explicação para a sua presença em cervejas envelhecidas. Apresenta como descritores caramelo e a velho, sendo o seu limiar de percepção da ordem dos 15 mg por litro.
  • 4-vinilguaiacol – um fenol considerado benéfico em vários estilos de cerveja, contudo é também considerado defeito especialmente em lagers. O seu descritor mais comum é cravinho da índia, tendo proveniência na decomposição (descarboxilação) do ácido ferúlico presente no malte de cevada (e em maior concentração no malte de trigo), pelas leveduras. Esta decomposição do ácido ferúlico continua a ocorrer ao longo do envelhecimento do produto. O seu limiar de percepção em cervejas lager situa-se por volta dos 0.3 mg de composto por litro.

Resultados

Trans-2-nonenal (cartão)

Este composto foi monitorizado através de cromatografia gasosa, existindo um aumento progressivo até cerca de 5 meses, começando a decair a partir dessa altura, situação verificada para as amostras envelhecidas a 40 e 50 ºC.

A análise sensorial realizada pelo painel da Fizzlab foi de encontro ao medido para a amostra envelhjecida a 40 ºC contudo, para a amostra envelhecida a 50 ºC, foi verificado um aumento continuo deste composto indo contra os resultados obtidos. Tal facto poderá dever-se à dificuldade em caracterizar de forma quantitativa o nível percepcionado deste composto nas diversas amostras.

Ácido acético (vinagre)

O ácido acético foi monitorizado por cromatografia líquida (HPLC-UV), tendo sido detectado o seu aumento a partir dos 7 meses de envelhecimento.

Na análise sensorial não foi detectado este composto uma vez que a sua concentração de cerca de 20 microgramas por litro era bastante mais baixa que o limiar de detecção.

Furfural (caramelizado, velho)

Novamente, este composto foi monitorizado através de cromatografia, evidenciando-se um aumento significativo da sua produção a partir dos 2 meses de envelhecimento, sendo esta produção em maior quantidade para as amostras envelhecidas a 50 ºC.

Na análise sensorial, foi detectado este composto nas amostras a partir dos 2 meses de envelhecimento, com uma correlação aproximada nas amostras a 40 ºC. Contudo, nas amostras a 50 ºC, esta correlação não foi tão directa, tendo-se percepcionado uma maior concentração na amostra de 12 meses.

De notar que a concentração de furfural presente nas amostras (máximo de cerca de 90 microgramas por litro) era muito inferior ao limiar de percepção reportado na literatura (15 mg por litro), evidenciando que o painel da Fizzlab é bastante sensível a este composto, encontrando-se bem calibrado e treinado para a sua detecção (ou outros compostos da reacção de Maillard associados, com características organolépticas semelhantes).

4-vinilguaiacol (cravinho)

Através da mesma técnica de monitorização, este composto surgiu em razoável quantidade logo a partir do 1º mês de envelhecimento, para as amostras a 50 ºC, surgindo apenas a partir do 4º mês para as amostras envelhecidas a 40 ºC.

Pode-se concluir que a produção deste composto é bastante sensível à temperatura, ocorrendo mais cedo para temperaturas mais elevadas.

Sensorialmente, o painel da Fizzlab detectou este composto apenas a partir dos 5 meses para as amostras envelhecidas a 50 ºC e apenas na mais envelhecida para o regime de envelhecimento a 40 ºC. Novamente, de notar que as concentrações medidas por cromatografia eram substancialmente inferiores ao limiar de percepção da literatura, evidenciando mais uma vez e a par do furfural, que o painel é bastante sensível a este composto, encontrando-se bem calibrado.

Discussão dos Resultados via Análise Sensorial

“A análise sensorial elaborada pelo painel de avaliação denota, conforme abordado, variações significativas consonantes com os resultados analíticos para a maioria dos compostos. Adicionalmente, foram também avaliadas as variações sensoriais do amargor e do doce. Como esperado, tanto as amostras envelhecidas num regime de temperatura de 40 ºC como as amostras envelhecidas num regime de temperatura de 50 ºC exibiram, simultaneamente, uma diminuição do amargor e um aumento do doce.”

Análise de Variação da Cor

Foi também realizada a observância da variação da cor através de um espectrofotómetro, com as resultados abaixo.

Este gráfico indica a diferença de cor entre a amostra envelhecida e uma amostra padrão, podendo-se observar que, em comparação com o envelhecimento a 40 ºC, o envelhecimento a 50 ºC leva a um aumento mais rápido da diferença de cor entre a amostra inicial e as amostras envelhecidas. De notar que a amostra mais envelhecida apresenta uma diferença de cor de quase 3 unidades, sendo por isso passível de percepção por um observador inexperiente (3).

Por outro lado, a amostra mais envelhecida no regime de temperatura de 40 ºC evidenciou uma diferença de cor de 1,7, o que implica que apenas observadores com experiência fossem capazes de reparar na diferença de cor entre a amostra padrão e as amostras envelhecidas.

Importa reter que a oxidação da cerveja não está apenas relacionada com aspectos sensoriais relacionados com aroma e sabor, mas também com a sua cor.  Esta variação de cor em amostras de cerveja mais claras é mais perceptível, sendo mais uma razão para o seu correcto acondicionamento.

Conclusões

Como já temos vindo a defender, o correcto acondicionamento de produto acabado é de extrema importância para a sua longevidade, devendo esta ficar no frio a cerca de 8 a 9 ºC (e assim reduzir também a formação de turvação pelo frio permanente). A redução da introdução de oxigénio em todo o processo produtivo é também de extrema importância, principalmente em evitar arejamento na parte quente e reduzir ao máximo na parte fria, principalmente quando se recorre a técnicas de “dry-hopping” e no engarrafamento.

Saindo da cervejeira, estas condições devem-se manter até ao momento de compra pelo consumidor, seja pelo transporte em carrinhas refrigeradas, seja pela sua venda em arcas frigoríficas verticais como é corrente em países com uma cultura cervejeira mais antiga.

Existe, assim, uma necessidade premente de sensibilização de todos os envolvidos para que o produto chegue ao consumidor final no pico das condições e se estabelecer uma forte cultura de qualidade na cerveja artesanal.

Mais uma vez congratulamos o Diogo Gonçalves pelo trabalho desenvolvido e a sua confiança na Fizzlab, e a Universidade do Minho pela contínua aposta em estudos relacionados com cerveja.

O documento completo pode ser descarregado neste link.

(1) – H. Li, F. Liu, “A study on kinetics of beer ageing and development of methods for predicting the time to detection of flavour changes in beer”, Journal of The Institute of Brewing, 121 (2015), 38–43.

(2) – Normalmente tida como temperatura de conforto por volta dos 20 ºC.

(3) – W. S. Mokrzycky, “Colour difference ΔE – A survey”, Olsztyn, 2012

Um dos principais processos de fabrico de mosto de cerveja passa pela conversão enzimática (enzimas essas presentes no cereal maltado), do amido presente no endoesperma do cereal maltado. Este processo envolve a mistura do malte com água a temperatura e pH controlado, de forma a activar as enzimas e para que estas reduzam os açúcares mais complexos. Estes açúcares são constituídos maioritariamente por longas cadeias de glucose (amilose e amilopectina), e a sua transformação em açúcares mais simples ou de cadeias mais curtas (dextrose), torna possível que sejam metabolizados pelas leveduras.

Fora do nosso país, o termo mais corrente para este processo é o “mash“, seguido da filtragem do cereal ou “lautering“. De forma genérica, o termo “brassagem” tem sido amplamente utilizado pela comunidade de cerveja artesanal para denominar a fase de conversão enzimática. Contudo, o temo correcto convencionado pela industria é o de “empastagem“.

De facto, a “empastagem” é uma fase incluída na “brassagem”, sendo esta composta por:

  1. Moagem
  2. Empastagem ou processo de massas ou maceração
  3. Filtração
  4. Fervura
  5. Decantação

É, então, na fase da empastagem que se extraem das materiais primas (maltes e adjuntos não maltados), os compostos solúveis em água assim como os que se solubilizam por acção enzimática.

De notar que na produção de “pale lagers” correntes, no processo de empastagem são utilizadas duas caldeiras, também chamada de empastagem de dupla massa. Uma delas tem por objectivo a gelificação dos adjuntos (processo também denominado por “cereal mash” na literatura estrangeira) e a outra utilizada para o empaste da restante carga de cereal.

A gelificação de adjuntos (arroz, milho entre outros cereais não maltados ou muito pouco modificados), consiste na absorção por estes de água, aumentando de tamanho e modificando a estrutura dos grânulos de amido (ficando este envolvido por moléculas de água), tornando mais fácil o seu acesso às enzimas amilases que são hidrossolúveis.

Resumindo e para finalizar, “brassagem” é o conjunto de etapas que compõem o processo de produção de mosto pronto a fermentar, sendo a “empastagem” apenas a fase de conversão enzimática.


Nota: a gelificação do amido é muitas vezes referida como gelatinização. Tecnicamente, gelatinização é o processo que ocorre à gelatina (uma proteína) em líquidos quentes. Gelificação é o termo correcto para o processo em geles de hidratos de carbono.

No passado ano de 2016, o quadro técnico da Fizzlab teve a oportunidade de participar no desenvolvimento de uma tese de mestrado da Universidade do Minho, intitulada “Estratégias para Melhorar a Qualidade da Cerveja Artesanal – Análise de Pontos Críticos”. O seu autor, o Engenheiro João Filipe Oliveira Cerqueira, desenvolveu este trabalho nas instalações da FermentUM Lda, empresa que fabrica e comercializa a cerveja “Letra – Cerveja Artesanal Minhota”.

O objectivo principal foi identificar pontos críticos durante os processos de enchimento e armazenagem, que influenciem a estabilidade química e microbiológica da cerveja artesanal, durante o seu tempo de prateleira. Com os resultados obtidos, foi possível desenvolver estratégias para aumentar a qualidade, estabilidade e, consequentemente, o tempo de prateleira da cerveja artesanal.

Assim, os estilos de cerveja selecionados para o estudo foram a cerveja de trigo “Weissbier”, um estilo muito sensível à deterioração por apresentar uma menor quantidade de lúpulo na receita e uma menor concentração de álcool no produto final; e a “India Pale Ale”, na sua vertente americana do estilo, que preserva melhor as suas qualidades, à excepção do perfil de lúpulo que diminui ao longo do tempo.

Durante 18 semanas, foram analisados vários parâmetros do mesmo lote de “Weissbier” e “India Pale Ale”, com vista a reconhecer as variáveis que influenciam, positiva ou negativamente, a estabilidade da cerveja engarrafada ao longo do tempo de prateleira. As variáveis seleccionadas foram:

  • Temperatura de armazenamento (a 4 ºC e a 37 ºC)
  • Pasteurização
  • Pré-evacuação com CO2 no processo de enchimento
  • Refermentação em garrafa

As amostras foram sujeitas a uma análise sensorial ao longo do tempo, com a realização de provas cegas dos dois tipos de cerveja (mediante as regras de prova definidas pelo Beer Judge Certification Program), quantificando parâmetros sensoriais, como: cor, sabor, aroma e textura. Por outro lado, foram quantificados um conjunto de parâmetros físico-químicos, tais como: pH, °Brix, velocidade de degradação da espuma e oxigénio dissolvido.

O trabalho de prova desenvolvido pelo painel da Fizzlab recaiu sobre os procedimentos Beer Judge Certification Program (por possuir um conjunto de regras normalizadas que se destacam pela obtenção de resultados adequados ao estilo analisado e ser já uma referência mundial), com a observância das usuais regras de análise sensorial (garrafas não identificadas, provas fora das refeições e em locais bem iluminados, livres de odores e ruído).

Os parâmetros avaliados pelo painel foram os mesmos que os descritos na “Beer Scoresheet”: aroma, aparência, sabor, palato e apreciação geral, com a tradicional atribuição de pontuação numérica a cada parâmetro, em proporção com a adequação das sensações percepcionadas e as linhas orientadoras para o estilo em questão.

Ao todo, foram analisadas pelo painel um total de 56 amostras, caracterizadas pelas variáveis em estudo acima. As principais características detectadas foram as consistentes com oxidação ao longo do tempo, com a predominância de malte caramelizado, cartão e escurecimento da cor no caso das “Weissbier” (bem como alguns casos de predominância de fenóis – plástico); e relva seca, malte caramelizado, diminuição do corpo e notas de ácido isovalérico (queijo, suor) no caso das “India Pale Ale”.

Citando as conclusões do Engenheiro João Cerqueira, o seu trabalho permitiu determinar:

“Conclui-se que a temperatura de armazenamento influencia o ºBrix, o pH, a percentagem de oxigénio dissolvido na cerveja, a velocidade de degradação e consequente estabilidade da cerveja, e suas características organolépticas, em ambos o estilos de cerveja artesanal avaliados. No entanto, no armazenamento na câmara fria (4 ºC), essa influência foi positiva, promovendo um maior estabilidade e conservação da mesma ao longo do tempo de prateleira”.

Como já é sabido e abordando apenas a oxidação, as reacções que a promovem são sensíveis à temperatura, sendo a sua velocidade tanto maior quanto maior for a temperatura. Desta forma, é importantíssimo o armazenamento do produto acabado a temperatura reduzida, de forma a aumentar o seu tempo de prateleira através de redução da velocidade das reacções de oxidação.

Em termos organolépticos:

“Conclui-se que para os dois tipos de cerveja artesanal e para todas as variáveis em estudo, a temperatura de armazenamento a 37 ºC, como já referido anteriormente, teve um efeito negativo nos parâmetros sensoriais (aroma, sabor, aparência, sensações na boca e impressões gerais), ao longo do tempo em que se realizou o trabalho experimental, realizado pelos juízes certificados através do BJCP. Esse efeito foi agravado pela oxidação da cerveja, causada por essa mesma temperatura de prateleira, pelo contacto com o oxigénio presente no head space, por compostos (ácido orgânicos, carbonilos, entre outros) obtidos devido à cerveja estar a essas temperaturas ou por microrganismos contaminantes.”

No que concerne a pasteurização:

“A pasteurização da cerveja artesanal teve um ligeiro efeito nas propriedades sensoriais analisadas pelos juízes, no entanto, para ambos os estilo de cerveja, este processo deve ser adoptado. Principalmente, para a cerveja do estilo Weissbier, por ser mais sensível. Em contrapartida, a India Pale Ale tem um poder antioxidante superior, que lhe foi conferido pelas elevadas quantidades de lúpulo utilizadas na sua produção. (…)”

“Foi possível concluir que, para ambos os estilos de cerveja (Weiss e India Pale Ale), o processo de pasteurização foi eficiente, uma vez que, verificou-se os valores de ºBrix e pH, não sofreram alterações significativas. Sendo que, comparativamente com as restantes variáveis (dupla pré-evacuação e refermentação), esta apresentou uma menor variação do ᵒBrix e pH ao longo do tempo de prateleira. Deste modo, permite chegar à conclusão de que as leveduras estariam inativas.”

Em relação à refermentação em garrafa:

“Por sua vez (a refermentação em garrafa), induziu o aumento da concentração dos compostos minoritários (ésteres, ácidos gordos, compostos carbonilados, álcoois superiores e monoterpénicos), provocando alterações sensoriais desejáveis ou indesejáveis, e maioritários, principalmente ácidos orgânicos (ácido acético, o ácido cítrico, o ácido málico e o ácido láctico, entre outros), levando a uma diminuição do pH, razão pela qual, as amostras referentes a esta variável apresentarem, nos últimos tempos de análise, valores de pH ligeiramente inferiores, comparativamente ao das outras variáveis (maior acidez). Isto deve-se ao processo de refermentação em garrafa, em que estas amostras, possivelmente apresentavam uma maior concentração destes compostos em relação às restantes variáveis, para além de exibirem, principalmente nas garrafas com cerveja Weiss e armazenadas a 37 ºC , uma maior pressão interna.”

E como conclusões finais:

“Chegou-se à conclusão que, as cervejas do estilo Weissbier e do estilo India Pale Ale devem ser pasteurizadas e armazenadas na câmara fria, uma vez que o método de pasteurização apresenta-se como uma solução viável para uma neutralização da actividade microbiana e consequente melhoramento da estabilidade da cerveja ao longo do tempo de prateleira. Esta conclusão é mais evidente no estilo de cerveja Weissbier.

No caso da India Pale Ale, o seu tempo de prateleira seria superior a 126 dias, sendo esta pasteurizada ou armazenada na câmara fria (4 ºC), uma vez que, através do painel treinado, esta apresentou as características sensoriais apropriadas ao estilo em questão. Relativamente à cerveja artesanal do estilo Weiss, apenas se pode concluir que foi permitida a conservação da sua qualidade até 21 dias de prateleira, uma vez que, após este dia a cotação global foi inferir a 25 em 50, não estando totalmente enquadrada no estilo. Em suma, a cerveja do estilo India Pale Ale mostra-se mais estável durante o período do estudo, apresentando alterações mínimas nas variáveis estudadas.”

Como conclusões adicionais, o autor sugere ainda a optimização de todo o processo de engarrafamento de forma a minimizar ou, idealmente, impedir o contacto da cerveja com o ar (oxigénio). Assim, mitigam-se as reacções de oxidação.

Importa ainda vincar a recomendação final do autor:

“Recomenda-se o armazenamento de todo o stock de cerveja artesanal, ambos os estilos analisados, numa câmara fria (4 ºC), de forma a preservar a sua qualidade durante o seu tempo de prateleira.”

Esta recomendação é ainda mais importante em cervejas que possuam uma elevada taxa de lúpulo de aroma, permitindo uma redução da sua degradação, bem como em todos os restantes estilos de cerveja cujas características organolépticas são sensíveis à oxidação.

Resta-nos agradecer ao Engenheiro João Cerqueira pela confiança depositada no nosso painel e no programa BJCP, bem como a vasta experiência prática de análise sensorial que esta participação nos permitiu adquirir.

Congratulamo-nos, ainda, pelos estudos que estão a surgir nas universidades portuguesas, o que indica que a cerveja (em especial a artesanal) continua a crescer de importância no panorama nacional.

O documento, na sua totalidade, está disponível nos serviços de documentação da Universidade do Minho, para uma consulta mais aprofundada.

Nota: as citações publicadas no presente artigo foram autorizadas pelo autor.

     

Com a constante inovação no sector do processamento de lúpulo, existe agora um produto relativamente recente que poderá trazer vantagens a nível organoléptico, para o sector da cerveja artesanal.

A utilização do lúpulo na cerveja é realizada pelas suas propriedades bactericidas, por adicionar amargor à cerveja mas também pelas suas propriedades aromáticas que contém. Propriedades essas que são muito importantes em determinados estilos (India Pale Ales, por exemplo). Estas aromas estão localizados em óleos essenciais excretados pelas glândulas lupulinas, localizadas dentro do cone da “flor” da planta do lúpulo (ver imagens acima).

A utilização mais típica do lúpulo no processo de fabrico, passa pela adição da própria flor directamente ou, de forma mais corrente, pela adição de lúpulo já processado na forma de “pellets”. Este processamento é essencial na altura da colheita, sendo reduzido de imediato o seu teor de água e a flor comprimida em pellets e embalada, de forma a reduzir ao máximo a sua oxidação.

Recentemente, surgiu um novo produto no mercado que passa pela separação do pó produzido nas glândulas lupulinas, da maioria da matéria vegetal restante. Ou seja, é um produto que basicamente, só contém óleos essenciais. Teoricamente, a eliminção da matéria vegetal reduz a extracção total de polifenóis, bem como reduz a absorção de ácidos-alfa já isomerizados do mosto. Além disso, a utilização exclusiva de lupulina poderá se traduzir num expectável aumento dos aromas e sabores.

Por outro lado, a adição do pó de lupulina à cerveja em fermentação ou após a fermentação (dry hopping) pode ser complicada, uma vez que o seu peso é menor que os pellets, tornando difícil a sua entrada em suspensão. Isto poderá ser mitigado com a utilização de um circuito de re-circulação ligado ao fermentador, de forma a obter uma mistura o mais homogénea possível, no caso da adição ser efectuada durante ou após a fermentação.

No excelente artigo do blog do Scott Janish que pode ser consultado AQUI, aborda-se experimentalmente as diferenças reais entre a utilização deste novo produto e as tradicionais pellets.

A técnica de utilização de lúpulo antes da ebulição (tipicamente na empastagem e no vorlauf), é uma técnica bastante antiga e que tem vindo a ganhar novo ânimo no seio da cerveja artesanal. Mas quais as vantagens e desvantagens? De acordo com o excelente artigo abaixo da revista Brew Your Own, provas cegas em triângulo de cerveja produzida com esta técnica resultaram na noção que o amargor geral (apesar de maior do que com a técnica tradicional – maior extracção), é mais arredondado e suave e menos agressivo. Por outro lado, a sua análise laboratorial  revelou que os compostos de aroma e sabor são menores (maior evaporação), ao contrário do que se pensava.

Qualquer cerveja pode ser efectuada com esta técnica, em que parte do lúpulo de amargor da fervura é adicionado em qualquer fase pré-ebulição. Isto torna-se ainda mais importante quando se pretende um amargor mais suave, ou como forma de mitigar a extracção de polifenóis em fervuras muito longas.

Para uma leitura bem mais aprofundada e completa, consultar o artigo da Brew Your Own AQUI.

O artigo abaixo do excelente blog experimental Brulosophy, aborda o primeiro passo realizado na elaboração de cerveja: a moagem.

Tipicamente é do senso comum de qualquer cervejeiro que uma moagem mais fina aumenta a eficiência de extracção, uma vez que temos mais “superfície específica” do endosperma do grão de cereal, em contacto com água para a sua hidratação e conversão enzimática. Por outro lado, poderá trazer problemas na filtração do cereal (redução do tamanho das cascas) e, em determinadas condições, extracção taninica. O ideal é partir o endosperma o máximo possível, mantendo a casca intacta para servir de meio filtrante.

Os resultados da experiência são bastante curiosos, tendo sido alcançada a mesma eficiência em ambos os tipos de moagem. Isto leva a sugerir que a eficiência de extracção do equipamento utilizado, atinge um máximo para uma determinada granulometria a partir da qual não há ganhos (para o mesmo intervalo de tempo).

Obviamente que existem diversos factores que afectam a eficiência da cervejeira no global (Brewhouse yield), como por exemplo as matérias primas (grau de modificação), o equipamento, o processo de empastagem, processo de filtração e o processo usado na cervejeira na sua globalidade estando, tipicamente, entre 74% a 79% .

Uma observação que também poderá ser retirada desta experiência é que a conversão enzimática poderá ser atingida na sua totalidade, em menos tempo do que os típicos 60 minutos, para uma moagem mais fina. Existem relatos de cervejeiros caseiros que apontam para 30 a 40 minutos de conversão, quando utilizada moagem fina.

Para finalizar e ainda em relação à granulometria de moagem, em regra geral esta deve ser mais fina quanto menor for o grau de modificação do cereal a moer, de modo a que a conversão enzimática destes cereais seja mais rápida.

De notar que nada disto se aplica quando se utiliza um filtro após brassagem (tipicamente os Meura) em vez da cuba de filtração, podendo o cereal ser moído através de um moinho de martelos, obtendo-se eficiências consideravelmente elevadas.

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